terça-feira, junho 06, 2006

Tales Of Ugetsu (Ugetsu Monogatari)

Japão, 1953, 94Min.

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Contos da Lua Vaga

Sinopse:
Séc.XVI, o Japão encontra-se em Guerra Civil. Dois irmãos subsistem de um próspero fabrico de cerâmica. Levados pelo deslumbramento e ambição desmesurada, os dois resolvem tentar vender as suas peças na cidade mais próxima. A mulher do mais velho, Genjurô, fica para trás, para cuidar do filho, e a mulher do mais novo, Tobei, acompanha-os à cidade. Depois de fazerem algum lucro, Tobei, deslumbrado com a vida de samurai, foge para se juntar às fileiras e Genjurô tem uma entrega de uma encomenda no palácio de uma dama e sua ama. Tobei consegue ficar acidentalmente com os louros de matar um poderoso guerreiro inimigo e é aclamado como herói, Genjurô é enfeitiçado pela dama e ausenta-se mais que o previsto, vivendo uma vida de luxo e frivolidades junto a ela. Quando Tobei comemora o seu feito reencontra a mulher numa casa de prostitutas, forçada a subsistir assim após ter sido violada. Genjurô vai de passagem à cidade e, de caminho, um monge avisa-o do perigo que corre vivendo com um fantasma e consegue quebrar o feitiço, regressando a casa.

Crítica: Sempre que recomendo a alguém ver um filme de Kenji Mizoguchi, costumo dizer que os filmes são muito deprimentes e melancólicos mas lindíssimos. Este clássico não é excepção, mas o final é de um optimismo conformado. Adaptado de dois contos tradicionais japoneses este filme acaba por nos contar mais do que duas histórias fantásticas ligadas pelos dois protagonistas, aqui irmãos. Trata-se sim, do contraponto do deslumbramento e ambição desmedida dos homens face ao pragmatismo e sensatez das mulheres. Miyagi, a mulher de Genjurô, quer apenas uma vida simples trabalhando juntamente com o marido e avisa-o de que ambição a mais e dinheiro fácil costumam trazer desgraça.

Ohama, a mulher de Tobei, apenas não quer que o marido preguiçe e ande deslumbrado com uma vida que não é para ele. Mesmo Wakasa-hime, a dama-fantasma, apenas quer ter uma vida feliz no amor. No entanto é graças às cabeças no ar dos homens que a desgraça cai na família e quase tudo cai por terra. Felizmente que ambos acabam por tomar consciência dos disparates que fizeram redimindo-se, mais ou menos, a tempo.

Este filme acaba por nos mostrar um pouco o papel da mulher japonesa na sociedade, como elemento organizador e gestor da família. Mesmo em condição inferior (os homens fazem orelhas moucas às suas recomendações sensatas) e tendo de se sujeitar às decisões nem sempre reflectidas dos maridos, eles acabam, por fim, por lhes dar ouvidos e razão. Mesmo depois da desonra de Ohama o marido não tem outra opção senão perdoá-la e reintegrá-la na família, pois, no fim das contas, a culpa foi essêncialmente dele que abandonou a mulher e o negócio, deixando-a à mercê de bandidos num país em guerra.

Só por vezes o típico eco do estúdio denuncia o tipo de produção de um filme dos anos 50. A fotografia a preto e branco é deslumbrante, mostrando no pouco, muito (há pouquíssimos planos aproximados) mas com uma beleza de composição de planos, gradação de cinzentos e pretos contrastados muito próxima da arte tradicional japonesa ou então do expressionismo alemão, nos jogos de luz e sombra.

O ritmo é lento mas absorvente nos longos planos cuidadosamente planeados. Todas as personagens são claramente identificadas, de uma forma muito japonesa, através do modo como estão vestidas, como se movem no espaço e o modo como falam. Genjurô e Miyagi são comedidos e directos, o seu traje é quase monocromático ou com padrões pequenos, Tobei e Ohama mais exagerados no seu registo mais próximo da comédia, usam trajes com padrões grandes e contrastantes, Wakasa-hime e a ama têm movimentos pequenos e discretos, falando em tom baixo e usam um guarda-roupa sofisticado de tecidos nobres como a seda e a gaze.

Apesar do uso de alguns códigos do teatro kabuki, a narrativa não se desenrola, de forma alguma, de modo teatral ou aborrecido. A linguagem é acessível e a encenação realista e moderna. Somos, logo de início, absorvidos pelos dilemas daquela pequena família que, apesar da distância geográfica, temporal e cultural, nos são totalmente familiares de tal forma são universais. A personagem de Wakasa-hime é-nos mostrada como uma pessoa de carne-e-osso, plausível, mas perfeita em demasia nos seus bons modos, generosidade e facilidade com que se apaixona e atrai Genjurô (de classe social inferior) para os seus domínios.

Este realismo serve para reforçar o desespero de Genjurô, por ter abandonado tudo o que amava tão levianamente, quando descobrimos que ela é realmente um fantasma. A banda-sonora utiliza uma orquestra clássica, bem típica da época, cortada por instrumentos tradicionais japoneses como as campaínhas e a flauta de bambú. A música aparece quando necessário, pontuando longos momentos de silêncio ou momentos em que uma personagem canta uma canção tradicional, cuja letra reforça a história. Este é um filme cuja alma japonesa transparece, desde a narrativa tradicional fantástica até à fotografia e composição plástica. O conto do homem que é enfeitiçado por uma bela dama que é, na realidade, um fantasma pode parecer um déjà-vu, mas já foi inúmeras vezes adaptado para cinema ou televisão, inclusive em filmes de animação.

Classificação: 9/10

Misato

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A historia com o seu toque sobrenatural, por si só ja é cativante, mas o trabalho sensacional na realização e na estruturação deste conto, faz dele uma obra fantastica!
É tambem bastante interessante e evidente o destaque que o Mizoguchi da ao retrato das personagens femininas e masculinas.
Sem duvida, um grande filme em varios aspectos e a nao perder!

ja agora 2 notas:
.gostei do comentario, mas acho que revelas demasiados destalhes da historia. o que é capaz de atenuar um pouco o impacto do filme

.o filme é de 1953

;)

6:15 da tarde  
Blogger Sérgio Lopes said...

Ainda não vi o filme mas pela crítca da Misato, parece ser muito bom. Tenho de o arranjar...

6:24 da tarde  
Blogger Misato said...

Tens razão, é de 1953, fui verificar no IMDB, mas devo me ter enganado ao escrever. Sérgio, podias, por favor, corrigir?

Quanto a contar demasiado a história... é uma sinopse, numa sinopse contam-se os aspectos relevantes da história, todos os que lá pus, achei relevantes. Mesmo assim não conto o final, pois isso seria verdadeiramente um spoiler (já que tem um twist).
Já vi este filme mais que uma vez (inclusive no cinema) e saber a história não mudou a minha visão do filme. Acho que ele vale muito mais que isso, exactamente como dizes.

PS - todos os filmes de Mizoguchi são sublimes. Já agora, este mês vão dar na Cinemateca Portuguesa uma catrefada de filmes do Ozu e alguns de Mizoguchi (infelizmente não sei se vou conseguir ir ver algum).

12:44 da manhã  
Blogger Sérgio Lopes said...

Já está alterado Misato! beijinhos,

Sérgio

9:24 da manhã  
Blogger Fábio Rockenbach said...

Estou com a cópia para assistir hoje à noite, depois de anos perambulando atrás - pedi para encomendar na locadora onde já existem 6 estantes somente com clássicos e, por incrível que pareça, ele veio.
Minha única crítica é à revelação no texto sobre ela ser fantasma... acredito que vá tirar bastante do impacto de logo mais... Mas se possível ainda hoje posto a crítica no blog
Abraço

2:23 da manhã  

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