sábado, fevereiro 10, 2007

Flavour Of Green Tea Over Rice (Ochazuke no aji)

Japão, 1952, 115Min.

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Sinopse: Numa Tóquio em pleno desenvolvimento pós-guerra, Taeko Satake é uma requintada dona de casa de classe alta que vive o seu dia-a-dia a fazer compras e encontrar-se com as amigas, vivendo um relacionamento formal com o seu marido Mokichi, fruto de um casamento de arranjado.

Crítica: No início da década de 40, Yasujiro Ozu acabava de regressar ao Japão após servir como soldado em plena Guerra Sino-Japonesa. FLAVOR OF GREEN TEA OVER RICE é o seu primeiro trabalho após esse retorno. A proximidade histórica fez com que o realizador sofresse uma série de censura por parte do governo, fazendo com que o filme fosse finalizado somente em 1952. Talvez por essas restrições, o filme pouco aborda o tema militar que mal havia sido digerido, não só pela sociedade, mas também por seus colegas realizadores. Há, no filme, apenas um rápido diálogo sobre o assunto entre Mokichi e um ex-colega de pelotão que se reencontram inesperadamente numa casa de pachinko após servirem nessa mesma guerra.

Se a ausência de referências à guerra poderia ser interpretada como um filme antibelicista, essa censura serviu também como uma aproximação cada vez maior do realizador com o tema que o faria popular no mundo inteiro: o drama familiar e o prazer de abordar o quotidiano de maneira simples, directa e terna, mas nem por isso rico em detalhes na observação de um Japão em constante mudança.

Em FLAVOR OF GREEN TEA OVER RICE, vemos um país em plena aproximação com o ocidente, tanto comercialmente quanto culturalmente. Ozu apresenta uma Tóquio em rápida modernização e os consequentes reflexos na sociedade. Os primeiros diálogos do filme mostram Taeko e sua sobrinha, Setsuko, conversando se elas devem ou não assistir ao mais recente filme do galã francês Jean Marais, enquanto elas se dirigem a uma boutique de propriedade de uma amiga.

Por outro lado, Taeko e Mokichi são um casal fruto de um antigo hábito: o casamento arranjado. Por isso, pouco carinho demonstram um ao outro. O relacionamento estagna e nem mesmo quando mentiras surgem de uma maneira escancarada, como a sequência onde Taeko inventa uma história que Setsuko está doente e teria que levá-la a um spa e assim passar uns dias por lá, altera o rumo do relacionamento. Mas Setsuko repentinamente aparece na casa dos Satake e desmente o facto. Mokichi faz-se de desentendido, aceitando passivelmente a situação, enquanto Taeko não desiste do spa e procura outra pessoa para “adoecer”.

Esse conflito entre uma mulher moderna que busca saciar seus desejos e um homem que busca simplesmente levar sua vida de maneira mais simples possível pode ser vista de uma outra óptica quando Ozu nos apresenta um país ainda enraízado em costumes duros e tradicionais que chocam com o moderno numa contradição que opõe atitudes. Podemos notar isso nitidamente quando Setsuko recebe um convite para um miai (conhecer um pretendente a marido em casamentos arranjados) e ela tenta de todas as formas fugir dessa situação, citando inclusive o exemplo do casal de tios.

Conflitos ainda que podemos notar de uma maneira simbólica presente no título do filme traduzido na forma prática de uma cena onde marido e mulher discutem o hábito de Mokichi sempre derramar chá por cima do arroz, que resulta no ochazuke (chá sobre arroz). Uma prática, segundo ela, provinciana que não estaria de acordo com a boa etiqueta das melhores famílias.

Não se pode dizer que seja um trabalho primordial na extensa carreira de Ozu, principalmente diante dos méritos de outros filmes mais consagrados como TOKYO MONOGATARI (1957) e GOOD MORNING (1959) mas não deixa de ser um importante registro onde Ozu provavelmente tenha encontrado o seu caminho como um dos cienastas mais importantes da sua geração. Uma pedra fundamental para tentar entender não só a sociedade moderna japonesa, mas o cinema actual de trabalhos de realizadores como Katsuhito Ishii ou Toshiaki Toyoda.

Ric Bakemon