quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Three Times (Zui hao de shi guang)


Taiwan, 2005, 139 min.

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Sinopse: Três homens, três mulheres, três tempos, três histórias de amor. 1966, um homem a cumprir serviço militar e uma empregada de salões de bilhar. 1911, um intelectual casado e uma prostituta. 2005, um jovem trabalhador e uma problemática jovem epiléptica. Três aproximações por entre a adversidade, três hipóteses de amor.

Crítica: Hou Hsiao-hsien é um dos realizadores asiáticos mais importantes da actualidade, presença habitual em vários festivais. Three Times chega a Portugal com algum atraso em relação ao resto do mundo mas é um daqueles casos em que mais vale tarde que nunca.
O filme divide-se em três partes: «Tempo para Amar», «Tempo para a Liberdade», «Tempo para a Juventude». As três histórias são mostradas sequencialmente, sem serem alternadas. Não são, contudo, mostradas por ordem cronológica.
A primeira, passada em 1966, é sem dúvida a mais perfeita das três. Segmento absolutamente belíssimo, sobre o encontro de Chen e May, o seu desencontro e o seu reencontro por algumas horas. Hou Hsiao-hsien filma a aproximação dos dois de forma calma e delicada, mas absolutamente sedutora. Os gestos magistralmente orquestrados junto à mesa de bilhar, a jornada de busca – já ela a confirmação do amor (sabemos que Chen escrevera à predecessora de May, mas não a procurara quando ela partiu). Tudo a culminar no extraordinário grande-plano das mãos a darem-se, seguido de um plano mais afastado, com Chen a abrir o chapéu-de-chuva sobre os dois, peculiar imagem de protecção. Este é também o episódio onde a música assume um papel mais determinante (embora no segundo isso também suceda, este é o melhor conseguido nesse aspecto), com a inserção das canções “Smoke Gets In Your Eyes” dos The Platters e “Rain and Tears” dos Aphrodithe’s Child.


O segundo segmento tem lugar em 1911 e centra-se nas visitas do senhor Chang a uma cortesã com quem passa algumas noites. Ela gostaria de um futuro mais seguro a seu lado como sua concubina, que ele não lhe pode dar por fidelidade aos seus princípios morais. Hou optou por filmar esta história como um falso filme mudo. Há intertítulos que substituem os diálogos. Todavia, há canções como se fossem em tempo real. E ao não optar por filmar este episódio a preto e branco, o autor quebrou um pouco a ideia do mudo que convoca com os intertítulos. O curioso é que, sendo o filme mudo dentro do filme, este é bem capaz de ser aquele em que o casal dirige mais palavras um ao outro. Mas na verdade, a essência do relacionamento entre o par central de cada história é silenciosa: a imensidão que comporta não encontra justo paralelo na palavra.



O terceiro episódio é o mais caótico e, no conjunto, o menos conseguido. Se o segundo episódio remetia para o filme de Hou Flowers of Shanghai, este relembra-nos os ambientes nocturnos contemporâneos de Millennium Mambo (protagonizado também por Shu Qi). De todos, este episódio parece o mais frio e o mais magoado. Como se a contemporaneidade, na sua vastidão de espaços – note-se o contraste entre a enormidade metropolitana de Taipé deste episódio o espaço fechado do bordel do anterior – se tivesse tornado demasiado exígua para o romantismo. O rosto de Shu Qi, que tanto sorrira no primeiro segmento e chorara no segundo, revela-se aqui como que apático. Como se o tempo presente impossibilitasse a exteriorização do sentimento.
Nos três episódios o par dos amantes é interpretado por Shu Qi e Chang Chen – e ambos estão magníficos. Mas é ao talento do ‘maestro’ que as vénias devem ser feitas. Hou Hsiao-hsien filma muitíssimo bem. Consegue fazer convergir todos os elementos do filme para um todo coerente sem nunca perder de vista um tom poético que nos toca profundamente. É não de todo um oco deslumbre visual. Às vezes dói de tão belo, às vezes fascina de tão melancólico. Porque o tempo muda e as possibilidades do amor mudam também.

Helena F.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Electric Shadows (Meng ying tong nian)


China, 2004, 93min.

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Sinopse: Mao Dabing é um jovem que vive sozinho em Beijing. Trabalha como entregador de água engarrafada e passa todo o tempo livre no cinema. Um dia, quanto se deslocava de bicicleta para mais uma entrega, choca com um amontoado de tijolos e cai, sendo logo em seguida agredido na cabeça por uma rapariga enfurecida. Quando a reencontra ela na esquadra, ela não lhe dirige qualquer palavra mas faz-lhe um estranho pedido por escrito: que vá a sua casa dar de comer aos peixes. Ao entrar no apartamento da estranha agressora, Mao Dabing descobre um pequeno santuário cinéfilo. E descobre também a identidade da jovem: ela é Ling Ling, sua grande amiga de infância. Lendo os seus escritos, ele descobre o que lhe sucedeu desde que se separaram.

Crítica: Electric Shadows tem sido descrito como o Cinema Paraíso chinês. De facto, há algumas similaridades, nomeadamente na influência determinante do cinema na vida dos protagonistas. Mas não se trata de um remake ou algo do género. Electric Shadows aproximar-se-á de alguns filmes chineses, no tom nostálgico evocativo do passado. O facto de a maior parte do filme se passar numa aldeia também reforça essa aura. Há, pois, dois tempos e dois espaços no filme: um presente na cidade e um passado (anos 70), que Mao recorda ao ler o caderno de Ling Ling, passado na aldeia onde se conheceram e onde a sua amizade floresceu perante as imagens mágicas do cinema ao ar livre. Se em Cinema Paraíso se homenageavam clássicos do cinema americano e italiano, em Electric Shadows evoca-se o cinema chinês ou da aliada Albânia, como Street Angel ou Victory Over Death.


O facto de o tempo passado ser narrado em voz off por Ling Ling reforça o tom intimista do filme já que passamos a conhecer os seus pensamentos. É pela sua escrita do passado que ela ganha voz – uma voz que até então não ouvíramos no presente. E, ao lê-la, Mao Dabing empreende o seu próprio processo de recordação, fazendo alguns comentários que atestam a convocação das suas memórias. Tal leva-o, depois de terminar o relato de Ling Ling, a procurá-la e a tentar um reencontro menos acidentado que o do início do filme.
Além do papel determinante do cinema na vida de Ling Ling e Mao Dabing, a família de Ling Ling, nomeadamente a mãe, tem bastante relevo. Aliás, é a mãe de Ling Ling que primeiro emerge como a figura de “heroína” do filme, a mulher que vence as dificuldades de aceitação na aldeia inspirada pela personagem de um filme e que, depois, “salva” Mao de um pai violento, contribuindo decisivamente para o estreitar da relação entre a filha e o novo amigo. Só depois Ling Ling se assume como a figura feminina forte, tornando-se as suas angústias familiares o tema central de uma parte do grande flashback.
Faça-se uma pequena nota elogiosa para os actores Zhang Yijing e Guan Xiaotong, que dão vida a Mao e Ling Ling na infância e que são simplesmente encantadores na incorporação das suas personagens: ele irrequieto e gozão, ela determinada e, ao mesmo tempo, frágil.

Co-escrito e realizado por Xiao Jiang, que até agora apenas fez este filme, Electric Shadows é um drama particularmente bonito pelo papel que o cinema assume na sua história mas que não deixa de ser também comovente enquanto crónica familiar e de crescimento.


Helena F.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Estreia da Semana – Three Times


Três (!) anos depois da sua estreia mundial, Three Times do realizador Hou Hsiao-Hsien, um dos expoentes do cinema de Taiwan, chega ao cinema em Portugal. Tratam-se de três histórias de amor passadas em três anos diferentes (1911, 1966 e 2005) que são dadas à vida pelo mesmo par de actores: Shu Qi e Chang Chen.
Curiosamente, a estreia de Three Times coincide com a do último filme de Hou Hsiao-Hsien, Le Voyage du Ballon Rouge, rodado em França e protagonizado por Juliette Binoche. Uma boa semana para ir ao cinema portanto.
Helena F.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Lust, Caution (Se, Jie)


China/Taiwan/Hong Kong/EUA, 2007, 157 min.

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Sinopse: Anos 40. Numa Xangai ocupada pelos Japoneses, Wong Chia Chi, uma tímida estudante junta-se a um grupo de teatro de esquerda e acaba a protagonizar um papel inesperado: o de Mak tai tai (a senhora Mak), uma elegante e abastada mulher encarregue de seduzir o senhor Yee, um político chinês colaborador dos invasores, que o seu grupo de colegas planeia assassinar como acto patriótico.


Crítica: Vencedor do Leão de Ouro no último Festival de Veneza, Lust, Caution assinala o regresso de Ang Lee à China, transpondo a história homónima de Eileen Chang. Tal como no filme anterior de Lee, Brokeback Mountain, também aqui a adaptação vai além do material literário que adapta, na medida que em sendo este relativamente breve, o filme apresenta vários acrescentos em termos narrativos, sem contudo perder a essência do livro.

Lust, Caution pode ser visto como uma história de espionagem e de resistência mas é, acima de tudo, uma história de perda de inocência e de descoberta do desejo. Wong Chia Chi aceita desempenhar o papel de uma mulher que não é ela e, nesse jogo de falsidade acaba por se descobrir a si. Pode-se estabelecer um curioso paralelo entre Wong Chia Chi/senhora Mak e a Rachel Stein/Ellis de Vries de Zwartboek, que vimos o ano passado nos cinemas. Ambas aceitam “dormir com o inimigo”, só para descobrirem nesse envolvimento uma estranha forma de vida. Porque de certa maneira é isso que a jovem estudante descobre com o dominador Yee: uma estranha forma de entendimento, uma experiência que a faz sentir viva. A descoberta do poder do seu próprio desejo que a leva a fazer tudo por ele.


No papel de Wong Chia Chi encontramos uma estreante, Tang Wei, que agarra o papel com notável empenho, transmitindo muito bem a passagem dos tempos de caloira hesitante à segurança do seu papel de sedutora. Como Yee temos um nome consagrado que dispensa apresentações, Tony Leung Chiu Wai, que consegue um transmitir de forma perfeita a ambiguidade da sua personagem: homem violento e dominador, e contudo capaz de momentos de uma fraqueza emocional camuflada, como o dar de mãos no clube japonês.
De entre o elenco destaquem-se ainda as prestações da veterana Joan Chen como a esposa do senhor Yee e o jovem Wang Lee-Hom como o líder do grupo teatral e o mentor do plano inicial para matar Yee.
A elegância e a sobriedade das interpretações prestam, de certa maneira, homenagem a ícones da Hollywood clássica, como comprovam as cenas em que a protagonista vai ao cinema ver filmes americanos.

Ang Lee é um realizador hábil. O enquadramento de cada plano é excepcional e o excelente trabalho de montagem revela-se crucial em algumas das melhores sequências do filme (como o jogo de mahjong inicial) demonstram bem o talento de Lee. O filme é de uma subtileza sublime. Até quando é explícito, é subtil. Ang Lee sabe que um quase imperceptível mexer de dedos, que um baixar de olhos, que um olhar mais fixo podem significar um infinito que é intraduzível, excepto por imagens. E ele dá-nos esse vislumbre, que é, em suma, a base para apreender a peculiar cumplicidade que por momentos se gera entre a espia e o político.


O filme é um prodígio a nível fotográfico – o director de fotografia é Rodrigo Prieto, habitual colaborador de Alejandro González Iñárritu – e de cenários, oferecendo as cenas de exteriores uma fascinante reconstrução da Xangai da época. Também o guarda-roupa, nomeadamente os figurinos da protagonista, são belíssimos. Mas a cereja em cima do bolo é mesmo a banda sonora. Alexandre Desplat, o mesmo compositor de Birth e The Painted Veil, brinda-nos com outra partitura extraordinária, com trechos de uma aguda melancolia que mereceram figurar entre os melhores escutados no cinema este ano.

Lust, Caution é uma das estreias fortes de 2008, e arriscaria mesmo dizer que se trata do melhor filme a estrear até agora nos cinemas portugueses. Um regresso em grande de Ang Lee. Imprescindível.


Helena F.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

The Road Home (Wo de fu qin mu qin)


China, 1999, 89 min.

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Sinopse: Luo Yusheng regressa à sua aldeia-natal para ajudar a mãe a preparar o funeral do pai. Esta quer uma grande cerimónia, seguindo a tradição de trazer o corpo em cortejo da morgue da cidade até à aldeia gritando ao morto que estava a voltar a casa, para que este não se ‘esquecesse do caminho’. No entanto, na aldeia restam poucas pessoas para que tal seja exequível. Enquanto pensa numa solução, Luo Yusheng evoca o tempo em que os pais se conheceram e redescobre a importância da sua história de amor e do sentido de pertença a uma comunidade.

Crítica: O filme desdobra-se em dois tempos: um presente, filmado a preto-e-branco, onde acompanhamos o retorno do filho à aldeia, e um passado, filmado a cores, que representa a memória que o filho tem do tempo em que o pai, Luo Changyu, chegou à aldeia e a mãe, Zhao Di, se apaixonou por ele. Ambos são narrados pelo filho e ambos levam, cada um à sua maneira, ao encontro de uma solução para o funeral do pai.

A maioria do filme passa-se nesse passado evocado. Vemos o pai a chegar à aldeia ainda jovem, como professor, e a mãe, igualmente muito jovem, a deixar-se fascinar por ele. Analfabeta, ela apaixona-se pelo ‘som da sua voz a ler’ e expressa a sua afeição numa série de tentativas de aproximação que são correspondidas por breves instantes, pois vêm ser interrompidas quando Luo Changyu é levado da aldeia para ser interrogado (apesar de presentes, as referências políticas estão bastante mais esbatidas que noutros filmes do realizador). No entanto, há uma vontade individual que triunfa, neste caso a de Zhao Di, que estoicamente espera o regresso do enamorado. Frisa-se aliás a sua importância a dada altura quando nos é dito que ela fora a primeira mulher da aldeia a expressar livremente o seu amor.

Ao lembrar a história dos pais, Yusheng redescobre um sentido de pertença à sua terra, na qual se tornara um estranho. E compreende finalmente a insistência da mãe em fazer um funeral em grande, tratando de reunir todos os meios necessários para que tal se realize. No entanto, há outra faceta do pai que o filho descobre: o seu papel de professor da aldeia, cargo que exercera durante décadas. A sua morte representa, de certa maneira, a morte também da escola, que Yusheng tentará impedir.

Este filme marca o início da colaboração do realizador Zhang Yimou com a actriz Zhang Ziyi, que teve aqui a sua estreia no cinema. Durante alguns filmes (The Road Home, Hero, House of Flying Daggers), Ziyi veio substituir a musa do realizador, Gong Li (que regressou a colaborar com o autor em Curse of the Golden Flower).
Longe da monumentalidade de filmes como To Live ou, mais recentemente, Hero, embora mantendo o espantoso trabalho de fotografia, The Road Home é um trabalho bem mais intimista, seguindo com a calma de um pequeno lugarejo rural, acompanhando o passar das estações. Uma proposta bem recomendável para aqueles que apreciam esta faceta menos espectacular de Zhang Yimou ou para aqueles que, simplesmente, ainda não a descobriram.

Helena F.