sábado, dezembro 31, 2005

Balanço Cine-asia 2005


É com muita satisfação que assisto ao crescimento de um blogue, dirrecionado para o cinema asiático, cinema esse, cada vez mais recomendável para os amantes da sétima arte. O que começou por ser um rascunho, parece agora ter pernas para crescer ainda mais. Em apenas 3 meses, o número de visitas foi sempre aumentando o que me dá ainda mais vontade de escrever, sabendo que aquilo que disserto, com maior ou menor qualidade, é lido e comentado pelos ilustres frequentadores do cine-asia.

Desde já agradeço a todos os que contribuem para que o cine-asia cresça, sem excepção. Todos são realmente importantes. Estou, mais do que nunca, receptivo a sugestões, envio de links ou até mesmo críticas a filmes. De facto, pretendo que o blog seja dinâmico e que tenha a participação activa de quem gosta de cinema e em particular do cinema asiático. Felizmente tenho tido a colaboração de alguns amigos bloggers como o Gonçalo Sá ou o Francisco Mendes, por exemplo, que com as suas excelentes críticas a alguns filmes, vão também ajudando ao crescimento do cine-asia. A ideia é mesmo divulgar o cinema asiático, seja o filme bom ou mau (embora, na maior parte das vezes, é mesmo excelente).

Sem querer individualizar, não posso deixar de fazer um agradecimento especial ao Fábio Guerreiro do Cine7 e ao Miguel Pereira do Hollywood. Estes dois ilustres bloggers são, em boa parte, responsáveis pelo crescimento do cine-asia, uma vez que os seus blogues sendo dos melhores e mais lidos blogues de cinema em Portugal, ao mencionarem o cine-asia, permitem dar maior visibilidade e consequentemente fazê-lo crescer. Para eles, o meu MUITO OBRIGADO.

No entanto, 3 meses é pouco tempo de vida para um blogue. Espero efectivamente daqui a uma ano estar a dissertar sobre o balanço de 2006. É sinal que o cine-asia vive e respira saúde...

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Novos clássicos do cinema Asiático - Parte I

Tomando como ponto de partida o comentário de um dos frequentadores do Cine-Ásia, o Nuno António, resolvi, neste artigo debruçar-me sobre quais os filmes, realizadores e tendências que nos últimos 25 anos contribuíram para a ocidentalização e divulgação do cinema asiático. Tentarei, portanto fazer referência às películas que quer pela sua singularidade, quer pela sua qualidade, são consideradas quase por unanimidade novos clássicos do cinema asiático, passíveis de serem recomendados para quem se vier a interessar pela bela cinematografia oriental.

Continue a ler "Novos clássicos do cinema asiático" AQUI

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Taegukgi (Brotherhood)


Coreia do Sul, 2004, 148Min.

Página Oficial - Trailer -
Fotos

Sinopse: Um grupo de arqueólogos encontram um esqueleto, identificando-o como sendo de Lee Jin-Seok. Mas Lee Jin-Seok está vivo e é agora um homem idoso. È o seu irmão Jin-Tae who que continua desaparecido desde a Guerra da Coreia. Viajamos então do presente para 1950, quando se iniciou a guerra da Coreia. Jin-Seok e o seu irmão Jin-Tae são jovens que subitamente são integrados num mundo sangrento completamente diferente do meio rural de origem. À medida que a guerra avança, a mente de Jin-Tae fica alterada pelos efeitos traumatizantes dessa mesma guerra. Jin-Seok sente-se desolado ao perceber que o seu irmão se modificou tanto ao ponto de lhe parecer um estranho…

Crítica: Estamos na presença de um dos melhores filmes de guerra de sempre. O filme foca a guerra da Coreia que para além de ter provocado a morte a muitos coreanos, deixou o país dividido em norte e sul até aos dias de hoje, para além de um clima de guerra iminente a qualquer momento.

O realizador tenta não transformar a película num filme político, focando a história em dois irmãos que subitamente viram as suas vidas se virar do avesso ao serem destacados para lutar na guerra. O que é focado pelo cineasta é, acima de tudo, o drama humano inerente, tendo como base histórica a referida guerra. Assim, a maior parte do filme é preenchida pelo conflito melodramático entre os dois irmãos, cada vez mais separados, devido principalmente, à mudança extrema de personalidade sofrida pelo irmão mais velho, obcecado por proteger o seu irmão mais novo e claramente afectado pelas circunstâncias e consequências da guerra.

O ponto de vista do cineasta é o do lado sul-coreano. No entanto, não deixa de descurar o lado norte-coreano, nomeadamente no último terço do filme. Até nisso, o realizador Kang Je-gyu teve cuidado na abordagem escolhida. Os actores principais (são os dois actores mais conceituados da Coreia, Jang Dong-gun e Won Bin ) têm um excelente desempenho, mas claramente Dong-Gunn é soberbo na composição de um homem que gradualmente se vai perdendo e distanciando de tudo e todos (incluindo o seu irmão mais novo) ficando completamente absorvido pela guerra.

Para quem gosta de filmes como “Saving Private Ryan” ou “Full Metal Jacket”, de certeza, vai adorar “Taegukgi”. O estilo de realização tem alguns traços de semelhança, nomeadamente nas cenas de batalha realísticas e brutais (a guerra de facto é brutal e traumatizante e umas das mais horrendas experiências humanas) e um estilo visual muito apelativo que realça não só as referidas cenas no terreno como a componente dramática da película. Só para termos uma ideia da grandeza das cenas de batalha, a cena da batalha de Doo-Mil-Ryung demorou cerca de 3 semanas a ser rodada, contando com cerca de 500 duplos e uma média de 50 acidentes por dia! No final, o esforço e dedicação valeu bem a pena.

Em suma, “Taegukgi” é um dos melhores filmes alguma vez feitos sobre a temática da guerra. Sendo um blockbuster coreano, com um dos maiores orçamentos de sempre na história do país, levou às salas de cinema no ano de 2004 qualquer coisa como 11.746.135 espectadores só na Coreia. São números simplesmente assombrosos! Ficará na galeria de outros homónimos americanos tais como “Platoon”, “Apocalypse Now” ou os já citados anteriormente “Full Metal Jacket” e “Saving private Ryan”.

Classificação: 8/10

Sérgio Lopes

Mais Críticas 1

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Kamikaze Girls (Shimotsuma Monogatari)


Japão, 2004, 102Min.

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Sinopse: Momoko é uma rapariga normal, vivendo uma vida normal. Bem…mais ou menos normal, na medida em que usa vestidos à moda do século 18 francês, estilo Lolita. Vive num meio rural onde se sente completamente deslocalizada. Decide então vender roupas antigas do pai (ex membro Yakuza) para fazer dinheiro para sustentar o seu peculiar estilo de vestir. É nessa altura que conhece uma rapariga punk, Ichiko, que irá transformar os seus dias em tudo menos que vulgares…

Crítica: Quando pensávamos que seria difícil ficarmos novamente surpreendidos com um filme asiático, isso volta a acontecer com “Kamikaze Girls”. De facto é difícil de descrever em que género se enquadra o filme. É talvez uma comédia adolescente surreal, imaginativa e colorida.

O realizador Tetsuya Nakashima, funde elementos reais e surreais, centrando, acima de tudo, a história na relação entre duas raparigas de personalidades opostas, mas que têm em comum o facto de sentirem marginalizadas; uma não se sente enquadrada na cidade rural onde vive, enquanto que a outra sente estar a mais dentro do gang a que pertence. Juntas vão encontrar forças e encontrar a sua identidade.


Obviamente que tudo isto é tratado com uma ligeireza mordaz pelo cineasta e com momentos de verdadeiro non-sense. Embora o argumento não seja nada elaborado (pelo contrário é bem directo e simplista ), Tetsuya Nakashima consegue prender o espectador aliando os momentos surreais (principalmente quando Momoko imagina o que vai acontecer) com o que realmente se está a passar.

A fotografia do filme contribui igualmente para esta impressão do absurdo, na medida em que é bastante colorida. Quase que me arrisco a dizer que o uso de cores vivas e intensas na fotografia, por parte do realizador, nos transporta para uma espécie de anime em carne e osso. Também de realçar a actriz Kyoko Fukada, que é perfeita na criação de uma rapariga ingénua, sonhadora e ambiciosa.

No entanto, nem tudo é perfeito em Kamikaze Girls. Os clichés dos filmes de adolescentes e algumas cenas forçadas, contribuem de forma negativa, principalmente no último terço da narrativa. No entanto, não deixa de ser uma proposta surpreendente e que alia a comédia surreal ao road-movie, o que prova que o cinema asiático é uma fonte inesgotável de criatividade.

Classificação: 6/10

Sérgio Lopes

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Howl's Moving Castle (Hauru no ugoku shiro)


O Castelo Andante


Japão, 2004, 119Min.


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A animação tradicional tornou-se uma espécie em vias de extinção, agora que a Disney se juntou à Dreamworks e Fox abandonando tal estilo de animação. Um ilustre sobrevivente deste venerável género é o japonês Hayao Miyasaki, autor de inúmeras obras mágicas, tais como, “Nausicaä”, “Tenko No Shiro Rapyuta”, “Tonari No Totoro”, “Majo No Takkyûbin”, “Mononoke-Hime” e o genial “Sen To Chihiro No Kamikakushi”. A combinação de ambientes elaborados, reprimenda social, beleza lírica, sequências de voo emocionantes e humanismo enternecedor, salientam o engenho deste superior autor, que evita os estereótipos num género que os desbarata.

Sinopse: Sophie, uma adolescente que trabalha na loja de chapéus de sua mãe, é enfeitiçada por uma malvada bruxa que a transforma numa velhinha. Envergonhada pela sua recente aparência, ruma para as colinas onde deambula um misterioso castelo. Consta-se que tal castelo pertence a um belo e jovem feiticeiro chamado Hauru (Howl é o seu nome “ocidental”), que acarreta uma má reputação.

Crítica:Hauru no ugoku shiro” recolhe elementos de “The Wizard of Oz”, “Beauty and the Beast” e até Howl evoca uma personagem de Shakespeare: Hal, o pródigo príncipe que necessitava de um impulso para alcançar a maturidade. Este filme japonês é um conto de amor, desejo e identidade. Uma parábola para a interacção da mente, coração e determinação. Ao dobrar de cada esquina, ocultam-se imprevisíveis surpresas para regalar o olhar. Tal como em “Monsters, Inc.” cada porta encerra um novo mundo, um novo encontro. É um mundo de feiticeiros, bruxas e demónios que vagueiam entre o Bem e o Mal, com vidas próprias.

O facto do filme ser uma adaptação do romance infantil britânico de Diana Wynne Jones, talvez explique as pequenas lacunas do argumento. É bem verdade que Miyasaki lhe aplica o seu cunho, mas as obras que brotam da sua própria imaginação, têm um arrebatamento bem superior. O mundo criado é belo e gracioso, mas não ganha uma ressonância manifestada em anteriores trabalhos escritos e realizados pelo Mestre. Contudo o autor consegue seduzir o espectador a decifrar os subtis motivos das personagens, consequentemente, apesar do filme ser de difícil compreensão, nunca é monótono para o cinéfilo idóneo.

Como visualmente o filme é bastante vívido, certamente também irá encantar as crianças, apesar destas nem sempre se aperceberem do que realmente se passa. Até os adultos irão remoer a massa cinzenta, tentando descortinar o rumo dos acontecimentos, enquanto muitas questões despoletam interpretações pessoais. Os desígnios e mistérios orientais de Miyasaki conduzirão muitas audiências para uma prematura frustração, pois as suas relíquias artísticas apelam às faculdades cinéfilas do espectador. A frequência na qual as aparências de Sophie variam, desencadeia múltiplas acepções: Será que o Amor lhe quebra o feitiço? Será que Howl consegue vê-la com as feições originais? Será tudo uma metáfora para o amadurecimento?

Miyasaki elabora deslumbrantes fusões do surreal com o quotidiano palpável. A sua obra está assente numa natureza povoada por espíritos, patenteados nas criaturas que se materializam das sombras, no serpentear da relva e das folhas das árvores, assim como no emprego da luz. A exponenciação do panteísmo de Miyasaki.

A técnica de animação do Mestre Miyasaki é tão impressionante como a profundidade e substância dos seus universos quiméricos. A mudança de clima, os complexos padrões de movimento, os lustrosos esquemas de cor e a notável arquitectura, extasiam deleitosamente. O seu singular sentido de espaço, tempo e peso, subsiste de forma majestosa. Quando Sophie e a bruxa sobem aquela interminável escadaria para o Palácio Real, sentimos cada passo minucioso.

As personagens estabelecem uma admirável empatia com a audiência, desde o ajudante Markl ao demónio do fogo Calcifer e passando inclusive pela Bruxa do Nada e um peculiar cãozinho. A paixão de Miyasaki pela mutação da natureza das suas personagens persiste e a inclusão de uma puramente poética é fenomenal: um espantalho mudo e benignamente possuído, cuja postura é uma alegoria ao Cristianismo, marcando sempre presença quando necessário. Nos seus filmes, não existe vilão sem admiráveis qualidades, nem heróis imaculados sem obscuros segredos e qualquer gesto pecaminoso.

Miyasaki abriga sempre uma crítica aos tempos modernos. “Mononoke-hime” era sobre o Meio Ambiente, “Sen To Chihiro No Kamikakushi” reflectia sobre uma sociedade avarenta, materialista e sobre a desconexão entre pais e filhos. “Hauru no ugoku shiro” acolhe uma mensagem anti-guerra numa utópica visão de um mundo calamitoso e funciona como uma arguta e maravilhosa parábola sobre o amadurecimento, sobre como lidar com as respectivas vantagens e desvantagens que nos torna indivíduos. O Mestre da Animação escava fundo nas suas personagens, para descobrir a humanidade e compaixão depositada nos seus corações. Hayao Miyasaki é um cartógrafo da alma, colorindo a paisagem da essência humana com pinceladas de puro encanto.

Classificação: 8/10

Francisco Mendes

Mais Críticas 1

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Red Shoes (Boon-hong-sin)


Coreia do Sul, 2005, 105Min.

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Sinopse: Sun-Jae, após se separar do marido, muda-se para um pequeno apartamento, nos subúrbios, com a sua filha de seis anos de idade. Após encontrar um par de sapatos rosa numa carruagem do metro, a sua vida irá entrar numa espiral de paranóia e pesadelo, exercendo inexplicável influência na vida de Sun-Jae…

Crítica: Mais um filme de terror baseado num objecto amaldiçoado que exerce uma influência sobrenatural sobre os personagens. Foi assim em “one missed call” e “phone” – telemóveis, “Ringu” – uma cassete de vídeo, “Gabal” – uma peruca ou “Cello” – um violoncelo, entre outros. Em “Red shoes” é um par de sapatos cor-de-rosa (sim, na realidade são bem cor-de-rosa e não vermelhos) que de certa forma, influencia as atitudes e maneirismos de mãe e filha.

A partir do momento em que os sapatos são encontrados por Sun-jae, estranhas mortes ocorrerão e acontecimentos inexplicáveis surgirão. O objecto cria tal obsessão, que até mãe e filha lutam (literalmente) pela posse dos tão almejados sapatos cuja origem e possível maldição que paira sobre eles provém dos tempos coloniais.

O realizador Kim Yong-gyun (Hypnotised), conhecido pelo cuidado visual apurado nas suas películas, cria novamente, em “Red Shoes”, planos de uma beleza estética assinalável. Por outro lado, centra toda a narrativa na personagem feminina central e na sua dificuldade em retomar a sua vida após um divórcio e uma mudança de casa. É neste indefinição psicológica que o cineasta traça o desenrolar da narrativa.

A partitura musical da autoria de Lee Byung-woo (compositor do fabuloso “A tale of two sisters”) cria um ambiente verdadeiramente assustador, em determinadas cenas, recorrendo a sons electrónicos ou suspiros vocais que em sintonia com os planos de câmara de Kim Yong-gyun, são bastante eficazes.

A actriz Kim Hye-su tem um desempenho bastante bom na composição de uma mãe com desejos e expectativas legítimas, embora pessimista e psicologicamente afectada. O espectador nunca sabe se esse estado de espírito deriva directamente da situação vivida por Sun-Jae ou se tem ligação directa ao objecto amaldiçoado.

No entanto, o filme peca devido à indefinição de argumento: Afinal de contas, o que provoca os acontecimentos estranhos e as mortes em catadupa? No final, ficamos sem saber. O famoso twist final inexplicável tão apreciado pela maioria dos cineastas asiáticos do género, acaba por estragar uma película que até tem bastantes pontos positivos. Desafio a quem visionar o filme que consiga determinar qual o sentido que a cena final no metro (assustadora e esteticamente muito boa mesma), ou seja, o pseudo-twist final…

Em suma, “Red Shoes”, tem os seus pontos positivos, mas não deixa de ser apenas mais um filme de terror asiático. Poderia ser muito melhor…

Classificação: 5/10

Sérgio Lopes

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Peppermint Candy (Bakha Satang)


Coreia do Sul, 2000, 130Min.

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Sinopse: Na primavera de 1999, um homem de meia-idade, bem vestido, Kim Yong-ho (Sol Kyung-gu), encontra-se deitado à beira de um lago por baixo de uma ponte ferroviária. A não muitos metros do homem encontra-se um grupo de amigos, que fundou uma espécie de clube naquele mesmo local há cerca de 20 anos atrás. Aparentemente por acaso, Kim Yong-Ho junta-se ao grupo e é imediatamente reconhecido por um dos elementos como tendo sido um dos primeiros membros desse grupo, na altura aspirante a fotógrafo. Incompreensivelmente, Yong-Ho, não se consegue integrar no grupo, é uma pessoa completamente destruída psicologicamente. Num ápice, sobe a ponte ferroviária e atira-se para a frente de um comboio, dizendo: “Vou voltar atrás!”…

Crítica: A partir deste momento, a narrativa desenrola-se de forma cronologicamente inversa, incidindo nos últimos 20 anos da vida de Yong-Ho, revelatórios das razões que o levaram a cometer suicídio. O filme acompanha vários estágios da vida pessoal de Yong-Ho, que o levaram à ruína: A perda do seu único e verdadeiro amor (Sun Nim), um serviço militar e uma carreira como policia traumatizantes, a ruptura familiar ou a bancarrota financeira, entre outros. Cada fase da vida de Yong-Ho é intercalada pela imagem de um comboio a circular para trás, simbolizando a progressão do tempo inversamente.

Kyung-gu Sol tem um desempenho notável, criando um excelente trabalho de composição de personagem, na pele de um homem violento, solitário e completamente vulnerável a um sistema que o destrói. O espectador começa por sentir desprezo por Yong-Ho, mas à medida que o tempo passa, o sentimento de desprezo é substituído por pena e tristeza, pois apercebemo-nos das razões que levaram à transformação deste homem e que em última análise o conduziram ao suicídio.

O realizador Chang-dong Lee, utilizando a narrativa de forma regressiva, acaba por conseguir fazer um retrato dos últimos 20 anos da história da Coreia do Sul e de como esse sistema opressivo afectou um ser humano de forma irreversível. O argumento é simplesmente fantástico, na medida em que tudo está muito bem explicado e fundamentado, obrigando o espectador a acompanhar a viagem regressiva de comboio na vida de Yong-Ho.

Estreado no mesmo ano que o filme “Memento”, “Peppermint Candy” foi alvo das inevitáveis comparações, no meu entender, injustas, uma vez que os géneros são completamente diferentes: enquanto “Memento” é um thriller, “Peppermint Candy” é um drama pesado e poderoso sobre o efeito que a sociedade pode ter sobre um homem inocente, bondoso, mas vulnerável e sensível, logo sujeito às modificações impostas por um sistema Coreano destrutivo.

Chang-Dong Lee cria um poderoso conto sobre a tragédia pessoal de um homem e a sua autodestruição, tendo como base histórica a nação coreana dos últimos 20 anos. É uma história passada na Coreia, sobre a Coreia, mas que se poderia suceder noutro local qualquer. “Peppermint candy” é um clássico moderno. Recomendável.

Classificação: 7/10

Sérgio Lopes

domingo, dezembro 04, 2005

Seven Swords (Qi Jian)


China, 2005, 153Min.

Sete Espadas

Página Oficial -
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Nos últimos anos, nomes como Ang Lee ou Zhang Yimou têm contribuído para que o público ocidental tome maior contacto com produções asiáticas, em particular o épico, género que é há muito trabalhado nessas cinematografias mas que permanecia relativamente distante de uma grande faixa de espectadores.

Sinopse: Ambientado na China do século XVII durante a dinastia Ching, o filme relata a persistência dos habitantes da Vila Marcial, uma pequena povoação que recusa abandonar o culto e prática das artes marciais, tradição proibida (e punida) pelo novo governo. Assim, são forçados a enfrentar muitos e ameaçadores antagonistas que os excedem em número e técnica, mas as setes espadas e aqueles que as utilizam poderão ainda trazer alguma esperança a um cenário cada vez mais caótico.

Crítica: Tsui Hark, embora não tenha tido tanta visibilidade ultimamente, é considerado outro mestre do cinema chinês e regressa à realização com “Sete Espadas” (Seven Swords/ Qi jian), o primeiro capítulo de uma saga de vingança, amor, guerra e traição centrada num grupo de sete guerreiros a quem foram entregues espadas especiais que os ajudarão a combater mercenários enviados por um cruel oficial militar.

Sete Espadas” é uma obra ambiciosa que equilibra as obrigatórias sequências de artes marciais com múltiplas histórias de amor amarguradas e larger than life, suscitando uma reflexão acerca do poder, do heroísmo e da lealdade, mas Tsui Hark não consegue criar aqui o épico de grande fôlego que ambiciona.


É certo que há cenas de acção suficientemente abrasivas e pujantes, com batalhas bem coreografadas e filmadas, mas a superabundância de personagens (muitas mal aproveitadas) e de enredos torna a película difícil de digerir a espaços, uma vez que o argumento é algo confuso e disperso.

Aproximando-se do romantismo de “O Tigre e o Dragão” e da energia visual de “O Segredo dos Punhais Voadores” (a sombra de Akira Kurosawa também se faz sentir), “Sete Espadas” não é tão refrescante como essas referências, mas possui ainda uma solidez e eficácia assinaláveis, mesmo sendo um filme irregular que fica abaixo do seu potencial.

No entanto, esta versão, de 153 minutos de duração, foi encurtada, pois a original tinha 240, o que poderá explicar a ocasional desorientação a que o espectador está sujeito devido a um argumento que se sente não ter sido devidamente trabalhado. Uma proposta recomendável, de qualquer forma, pelo menos para apreciadores do género.

Classificação: 6/10


Gonçalo Sá